XVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE POESIA

quarta-feira, 22 de maio de 2013

3 poemas de Sérgio Bernardo Correa


foto artur gomes


FALHA GEOLÓGICA


Mar de fósseis em cada esquina,
a urbe agoniza
com cheiro de maresia no asfalto.
Nas praças navegam horizontes apagados,
sem mapeamento possível,
num hemisfério de sucata.
Jornais nunca lidos espalham palavras
na sombra desses homens,
de borco uns, uns de lado,
mastigando guimbas com lábios cheios de felicidade.
Perdidas memórias nos arquivos,
houvesse algum tempo para reavê-las,
seria minúsculo.
Mas não há:
o tempo fendeu-se como falha geológica
geradora de mortos.
Também não há identidade
nas reentrâncias das ruas,
entre havaianas,
copos descartáveis,
a sopa da noite,
todos sangram por poros iguais,
cruzam a mesma praia nua.
Quem dera houvesse ao menos conchas.


in Asfalto (Selo OFF Flip, 2010)



LISBOA EM MAIO 



Um céu que anoitece tarde
sobre colinas e telhados
ao longo do rio largo
costurado à terra por pontes.
Uma língua reconhecível
na boca dos passantes
sem a pressa das metrópoles.
Um vento que lambe como lobo esfomeado
à espreita nas esquinas
e no topo das escadarias.
A marcha dos eléctricos
quase em câmera lenta:
burricos de tempos aldeões
que ainda empacassem nas ladeiras.


.

EXIGÊNCIA DA CRÍTICA 


Tem um medo terrível de si, 
de amanhecer com dez braços
necessitando movimento 
e ser ainda a mesma de hoje 
a imperícia dos dedos,
um medo fundo de amanhã 
subverter os objetos da casa 
até então usados como acessórios
e não como inventos,
tem medo de estar dentro
e desamar o que está fora
como coisa pestilenta na origem, 
um medo imenso de um dia
se desapegar dos perfis e dos nomes
como quem se desabitua do amor
pelo desgaste da palavra,
é grande esse medo de si
(bem maior que o medo dos outros)
por ser um livro lido à exaustão 
com rigor nas leituras.



Sérgio Bernardo Correa


Um comentário :